Era fim de tarde, o crepúsculo já era claro, o céu estava alaranjado, porém já era possível ver as primeiras estrelas se anunciarem; aquelas que mais brilham no céu e Vênus vulga estrela D’alva. Ele estava sentado em uma poltrona de couro lendo uma das inúmeras obras de Shakespeare, Hamlet. Tinha faltado luz o dia inteiro no bairro, portanto mesmo que prejudicasse sua visão seria necessário acender algumas velas caso a luz não se anunciasse novamente até o anoitecer, pois de tão entretido ele dificilmente pararia de ler e de fato o charme da leitura a luz de velas causava nele certo agrado por essa idéia. Trajava um sobretudo acompanhado de algumas roupas meio formais, uma camisa pólo e um colete, uma calça de algodão preto e sapatos; não que ele fosse alguém mórbido que permanecia escondido na solidão da noite ou que apreciava, poetizava e vivia mais a morte do que a vida, pelo contrário ele sempre preferiu ambientes bem iluminados, apenas tinha uma paixão forte, porém secreta pelos clássicos e pela maioria das coisas chamadas de “arcaicas” hipocritamente, não se considerava um neoclássico porém, por mais irônico que possa parecer ele também ama a modernidade a ponto de se interessar sempre pelas ciências exatas e até mesmo pensar em seguir a carreira de engenheiro.
Perdido em sua imaginação daquela agradável leitura que o extasiava ele era interrompido por uma mão em seu ombro, uma mão quente que possuía o perfume de sua dona que inebriava e invadia suas narinas. Sabendo de quem se tratava ele apenas virava lentamente o pescoço e sorria timidamente, recebendo em seguida uma beijo em seu rosto que claramente expressava uma barba feita a pouco tempo. A necessidade de dizer “olá” era completamente nula, visto o fato de que eles se entendiam por sorriso e antes de um ter coragem para falar com o outro era por sorrisos e olhares que eles se comunicavam. Ela expressava a beleza de sua tranqüilidade e alegria em seu rosto sem um traço de maquiagem, porém ele sempre soube que atrás daquela boa mascara ou a face que se mostrava mais para ele do que para os outros poderia existir uma tristeza ou uma revolta, até mesmo decepção, ódio ou tristeza, tais quais revoltas também por sua vida sofrida e cheia de repressão. Ela trajava uma calça Jeans e uma blusa preta, seus cabelos completamente trançados e uma sapatilha em seus pés; gostava de literatura e também de coisas antigas, não pela paixão a literatura ou qualquer coisa do tipo e sim em uma esfera histórica que remetia ou impulsionava a estudar o antigo como fazem os arqueólogos, em contrapartida era claro o desejo dela de ter uma ação direta sobre a sociedade inocentando inocentes e condenando culpados, influencia de Foucault talvez ou de sua família, mas a vontade e o dom de exercer o direito ela com toda certeza possuía.
Em sua mente ainda vagava o dia que ela lhe falará que apesar de estar sorrindo podia estar com vontade de chorar e isso fazia que a todo o momento ele desconfiasse e se questionasse se ela estaria confortável e se sentindo bem; se a resposta não lhe fosse apresentada por seu próprio julgamento ele a questionava sobre. Mesmo que eles se entendessem por expressões, às vezes se via necessário falar, apesar de que ambos muitas vezes apreciavam o silencio da companhia um do outro. Ele então com delicadeza e com sua voz que ele considerava normal, porém ela considerava embriagante questionava
– Você deseja algo?
Ela apenas sorria e fazia sinal de sim com a cabeça, colocando sua mão no peito dele, respirava fundo e falava com sua doce voz
– Sim! Eu... mesmo que você não saiba ou eu não dê a perceber demorei muito tempo para criar coragem e dizer isso... Não gosto de enrolar, você sabe, se eu ficar enrolando não irei ter coragem para falar depois... Indo direto ao assunto... Eu te amo e quero ficar com você!
Os olhos dele se arregalavam e ele dava alguns passos para trás, virava de costas para ela colocando a mão no próprio queixo
– Meu Deus!
Ele sussurrava. Ela se assustava com a atitude e abaixava a cabeça imaginando já saber a resposta.
- Desculpa – Dizia ela com um ar desolado.
Algum tempo se passava, ela estava ali estática e ele ainda virado de costas sem dar uma única palavra. Surpreendendo-a ele virava de repente quando ela ameaçava partir, segurava em seu braço e a puxava olhando em seus olhos.
- Não... Essa é a minha resposta... Não!
As lagrimas enchiam os olhos dela que tentava se afastar dele.
- Deixe-me explicar, por favor!
Ela arfava e com uma tristeza que ele jamais viu ela falava
– Não há o que explicar.
Ele então dava um sorriso e fazia sinal que sim, indicando que realmente havia o que explicar. Com uma certeza incomparável de que ela o entenderia começa a falar, sem deixar que ela o interrompa.
- Eu não posso ficar com você, pois também te amo verdadeiramente. Antes que você diga que isso é medo de amar e que eu estou fugindo e assim sendo covarde eu digo que sim! Talvez eu esteja mesmo sendo. Mas saiba que essa não será a primeira coisa das quais eu fugi, mas provavelmente é a maior delas. Como posso eu dizer sim? Se eu falasse sim abdicaria de tantas coisas. Se eu falasse sim eu jamais poderia procurar você em meu ultimo dia de vida caso eu possuísse alguma doença destruidora e que me mataria no dia seguinte e falar para você “eu estou aqui, porque quero passar o ultimo dia da minha vida ao seu lado, te namorando e te amando, te sentindo... Em uma pedra em uma praia deserta ou em uma colina sentindo a brisa fresca batendo em nossas faces, me aceite como seu companheiro nestas ultimas horas, por favor!”.
Ele parava por um instante e fitava seus olhos mais profundamente, ela se debulhava em prantos e seus lábios tais quais suas mãos tremiam muito, sua mão parecia gelada como a própria noite que se anunciava.
- E como eu poderia dizer sim e me privar de daqui alguns anos eu olhar para o céu escondido em algumas nuvens de poluição, e entre todos aqueles prédios, arranha-céus e todas aquelas luzes artificiais à frente e abaixo de mim, eu ver uma bela estrela que não se cansa de brilhar e me lembrar de você e seu sorriso que irradiava e mesmo que invisível, pelo menos para a grande maioria das pessoas, brilhava mais do que aquela dita estrela que eu via? E nesse momento eu me desconcentrarei de meu trabalho totalmente, me sentirei fraco, um aperto no peito virá e um nó na garganta irá surgir, eu lutarei contra lagrimas que irão querer sair me lembrando dos momentos que fiquei com você, do seu sorriso e o olhar desses seus olhos que apesar de negros são tão belos quanto as estrelas e mais belo que qualquer olho cristalino que eu já vi; como se não bastasse eu vou me xingar durante um bom tempo por não ter lhe possuído quando eu pude possuir, achar que eu fiz a maior besteira da minha vida e me arrepender de realmente não ter dito sim e ficado com você quando eu pude.
Ela ameaçava dizer alguma coisa, ele colocava o indicador atravessado nos lábios dela pedindo silencio. Ela o olhava abaixando o olhar, mostrando estar de acordo.
- Me diz como eu posso dizer sim e dar a oportunidade deste amor em algum momento se esgotar? Se eu falar sim ficaremos junto, faremos coisas excêntricas e que sempre serão novas nos primeiros dias ou meses, serão novas afinal nunca fizemos isso e depois tudo ficará repetitivo e como quando você come sua comida favorita todos os dias... Você simplesmente enjoará e não irá mais querer apreciar aquele prato, mesmo que a vontade surja em algum momento, você terá uma nova comida favorita, as comidas que amamos são exatamente aquelas que degustamos com pouca freqüência. E isso acontece com o amor, pessoas que se amam extremamente no inicio e são completamente apaixonados e convincentes para todos, a um nível lindo de se ver, de uma hora para outra brigam e terminam tudo, pois o amor se acabou. E o maior perigo do amor acabar é ele levar o respeito junto... E com isso a amizade também se acabar. Como poderia eu arriscar tão alto e assim arriscar perder até mesmo o amor e a oportunidade de estar perto de ti e te mimar, mesmo que como amigo?
Ele dava uma pausa, não longa apenas de poucos segundos e voltava a falar.
- Eu prefiro deixar esse amor acalentado dentro de mim e possuir todos os dias o desejo de te possuir e o amor por ti do que dizer sim e arriscar perder-lo. Você sabe que eu vejo em tudo uma oportunidade de aprender e estudar ou estudar e aprender por ser tão curioso, e eu não poderia me privar e privar você da oportunidade de sentir aquele sentimento que eu falei que surgiria quando eu olhasse a estrela daqui a alguns anos, seria desumano com nossos sentimentos. Eu prefiro dizer não e ter a certeza de falar romanticamente “eu sempre amei uma mulher que está longe, mas já esteve tão perto e apesar da distancia eu vou amar-la eternamente”. Prefiro dizer não e ter a oportunidade de sonhar com seu sorriso e seus belos olhos como o mais belo sonho, do que dizer sim e daqui a algum tempo ficar desconfortável e infeliz e esse seu sorriso e olhos aparecer em um dos meus pesadelos. Prefiro contar a experiência de amar que eu tive para meus filhos e netos, realmente ainda sentindo a experiência de amar. Eu seria um monstro se desse a mim mesmo a oportunidade desse amor acabar, dizendo sim. Entenda que eu sempre vou te amar e sempre vou sofrer quando eu te ver indo embora, mas é necessário. Eu estou sendo um covarde em dizer não, mas estaria sendo mais covarde ainda se dissesse sim. O sim apenas nos impediria de desfrutar os primores desse amor. E acho que agora, nós, podemos entender o ditado que diz “quem ama diz não”. Me perdoa, mas eu não posso aturar e sofro só de pensar na hipótese de um dia deixar de te amar por em um momento ter pecado com o pior dos erros, dizendo sim.
Ela olhou em seus olhos e ainda com lagrimas nos olhos falou
- Isso quer dizer... Que daqui a algum tempo eu vou poder dizer que tenho um amor que mesmo não estando comigo está junto a mim desfrutando os belos frutos de um amor que nunca aconteceu. Dessa forma afirmando que eu tenho um amor que é infinito e jamais se esgotaria; um amor eterno?
- Sim, um amor que desfruta de seus primores, que gera as mais belas contradições; fazendo com que a água queime e o fogo esfrie. Que o barro valha mais que o diamante. E fazendo com que o não seja melhor do que o sim em um momento em que todos prefeririam o sim.
Os olhos dela derramaram mais prantos, agora de êxtase, felicidade e amor, e com sua voz amavelmente rouca e tremula do chorar ela falava quase que sussurrando
- Obrigado... Obrigado por me amar... Obrigado por me mostrar o que é amar e que tu realmente me amas de forma que eu jamais serei amada. E, além disso, mesmo que para os outros não seja dessa forma, obrigado por me ensinar o que é amar.
- Se eu falasse sim agora, eu jamais teria a oportunidade de dizer não para outra mulher que amo e que me fará sentir futuramente tudo isso que eu falei. Pois um não para outra mulher não terá o mesmo valor e nem causará tudo isso. A única oportunidade que eu tenho de tanto amar e de sentir tudo aquilo é dizendo não agora.
Ela assentiu com a cabeça e ele se afastou
- Irei até o quarto pegar um livro que acho que gostarás de ler... Se quiser pode esperar aqui.
A noite já havia chegado e o caminho estava escuro, isso permitia ele esconder a única lagrima que escorreu de seus olhos, ele era orgulhoso demais para deixar-la ver a tal lagrima. Ele entrava no quarto e se abaixava, ouvia um barulho da porta se fechando atrás de si, era ela atrás dele e tinha fechado a porta.
- Tenho medo... De ficar sozinha no escuro...
Ela dizia sorridente, com os olhos marcados das lagrimas que a pouco ela tinha soltado, estava encostada levemente na porta com os braços para baixo e com as palmas das mãos viradas para a porta, ela levantava uma delas e passava em seu cabelo o fazendo cair, se mostrando solto e mostrando que ela já tinha desfeito a trança enquanto ele subia, eram claras as ondulações em seus cabelos por causa da trança refletindo a luz da lua.
- Tudo bem... É esse o livro...
Ela tocava o livro e não lia o titulo; a luz da casa não retornaria naquela noite. Ainda naquela noite o jovem garoto virou um homem por tudo aquilo que tinha falado e vivido.
W. Rodrigues